quinta-feira, 20 de junho de 2013
Sacerdócio corrompido
É comum nos decepcionarmos quando descobrimos a podridão de alguns pastores, principalmente quando são pregadores famosos. É a tal de associação de ministros do Evangelho com mercantilização da fé, corrupção, deturpação das coisas de Deus, sem falar nos casos inacreditáveis de estupro e outras barbaridades horripilantes até mesmo aos olhos do mundo. E ficamos deprimidos com isso – não sem razão. Entretanto, se isso nos deixa tristes, por outro lado não deveria nos surpreender: é assunto manjado e bastante comum na história bíblica.
A relação entre o engano e o sacerdócio começou cedo: Arão, já determinado por Deus para ser o primeiro sumo sacerdote de Israel, descumpriu o segundo mandamento ao inventar um bezerro de ouro para atender as necessidades religiosas e supersticiosas do povo (Ex 32.1-4). Iniciava um belo legado.
Anos mais tarde, no período dos juízes, o sacerdócio estava completamente corrompido pelos filhos de Eli – ocasião em que eles desviavam as ofertas para lucro próprio (1Sm 2.12-17) e ainda traçavam as moças devotas que vinham cultuar (v. 22) –, o que gerou apenas a repreensão do velho sumo sacerdote (v. 23-25). Coube a Deus tomar uma atitude: o então jovem Samuel profetizou contra a família do seu tutor que foi eliminada pela mão dos filisteus. Problema resolvido para sempre? Não. Os filhos do próprio profeta Samuel – incontestável servo de Deus – também caíram na corrupção e aparentemente contaram com a vista grossa do pai (1Sm 8.1-3).
No tempo de Davi, o sacerdócio ficou em segundo plano e era orientado pela presença deste rei “segundo o coração de Deus”. Depois dele, a categoria sofreu diversas interferências dos monarcas judeus que ora trocavam o culto oficial para outra divindade, ora restauravam o culto levítico. Nos tempos finais do reino de Judá (pouco antes da invasão babilônica), o sacerdócio atingira graus insuportáveis de dominação política apoiada nas mentiras de falsos profetas, fato que o profeta Jeremias delatou num grito solitário (Jr 5.31). Não por acaso, Jeremias era membro da família sacerdotal desterrada por Salomão em Anatote.
Aí temos o pessoal que afirma que o exílio curou os judeus da idolatria e de todas as maldições da desobediência. O problema é que não. Depois do retorno à terra prometida, o sacerdócio voltou a desobedecer aos mandamentos de Deus tratando as coisas divinas com futilidade, como escreve indignado o último profeta do Antigo Testamento, Malaquias (Ml 1.6-9).
Finalmente, chegamos ao Novo Testamento. Será que o sacerdócio havia se regenerado? De novo: não. Os sacrifícios eram dirigidos pelos que os evangelhos chamam de saduceus. Sobre eles, a expectativa de Jesus não era nada boa – Ele orientou os discípulos a tomarem cuidado com seus ensinos (Mt 16.12). Depois, o Mestre causou furor aos donos do templo de Jerusalém ao expulsar os vendedores de mercadorias para os sacrifícios, o que afetava diretamente o lucro dos sacerdotes (Mc 11.15-18).
Queremos então acreditar que, com a pregação do Evangelho, o problema da corrupção dos pastores do rebanho – não mais um “sacerdócio intermediário”, mas um condutor – teria sido resolvido. Infelizmente, não é isso que acontece. Já no tempo do apóstolo Paulo havia diversos pregadores que falavam de Cristo por pura inveja e ambição (Fl 1.17) e outros entendiam que a piedade é fonte de lucro (1Tm 6.5). Sem falar nos falsos pastores que são simplesmente homens perversos infiltrados no rebanho que cuidam apenas de si mesmos, como atesta Judas (Jd 1.4,11-12).
Fica uma pergunta: por que isso acontece? Por que tantos pastores são corrompidos? Penso que a resposta está na proximidade com o poder. Nos sentimos inebriados pela autoridade sobre outras pessoas, e isso é natural ao homem. A política aparece dominada pela corrupção em todos os níveis justamente por isso. O mesmo acontece entre empresários de corporações grandes ou pequenas (quem você acha que são os corruptores dos políticos?) e em qualquer lugar em que se estabelecem relações de domínio. Talvez o Lorde Acton esteja correto ao afirmar que“o poder tende a corromper – e o poder absoluto corrompe absolutamente”. A liderança de uma igreja também tem uma base de poder que aumenta exponencialmente conforme o ministério ganha sucesso, principalmente se ganhar notoriedade midiática. A corrupção segue de perto a autoridade e, quando pode, tira o líder pra dançar.
Deixo, portanto, algumas constatações que podem nos ajudar a viver a fé nestes dias conturbados:
– a corrupção do sacerdócio é comum e eventualmente faz parte da realidade do povo de Deus (e isso aconteceu ao longo de toda a história);
– Deus julgará cada um de acordo com a verdade que há em seu coração.
Entretanto, fica uma boa notícia: se o pastor da sua igreja anda na presença deste poder sobre as pessoas e não se deixa corromper por ele, então você está diante de um verdadeiro homem de Deus – mesmo que ele não tenha grande sucesso público ou sua pregação não seja tão empolgante quanto você gostaria. Escute-o como um bom co-pastor de Cristo e siga a vida em paz.
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Crônica escrita por André Daniel Reinke
FONTE: http://curiosidadesbiblicas.com.br
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